domingo, outubro 15, 2006

olhos de alma!

Continuou, através de planícies e pradarias, por entre estradas desenhadas e caminhos sulcados, sem nunca ter a coragem para fazer, ele próprio, o seu caminho. Foi andando, caminhando sempre de olhos postos no chão, completamente imerso nas suas dúvidas. O menino começava agora a entender que esta viagem lhe trazia muito mais questões do que respostas. Mas talvez percorrer a totalidade do caminho o levasse a algum outro lugar com pelo menos uma certeza.

Chegou ao fim da terra. Contemplava o mar com uma admiração extrema. Não se lembrava sequer de existir um mar tão grande dentro de si. Talvez fosse da chuva... Não tinha ainda parado de cair, cada vez mais forte, sempre mais forte... Caminhou até à beira das águas e observou um vulto enorme que crescia sob o seu olhar, até emergir junto aos seus pés. O seu olhar era triste. Cumprimentou o menino, o que, para uma baleia azul, era uma óbvia demonstração de cortesia e bom senso.

"Olá... O que faz um menino como tu neste lugar? Aqui não há nada... Para trás de ti, só terra estéril... Daqui para a frente, apenas mar... E tu, na fronteira entre ambos... Diz-me, o que fazes tu?" perguntou a baleia.

"Eu?... Eu estou só à espera que a chuva pare..." respondeu o menino, lançando um olhar à sua volta, como que a indagar sobre a existência daquele mar, até então desconhecido.

"A chuva não vai parar... Eu estou aqui desde sempre... Sozinha... Fiz desta massa azul a minha casa e nunca encontrei ninguém por aqui... És a primeira pessoa que cá vem... Estás perdido?"

O menino apercebeu-se da realidade... Estava perdido dentro de si mesmo...

"Sim... Quis tentar conhecer-me melhor, mas até agora...", disse, com uma voz trémula.

"É verdade... É sempre assim... Não interessa muito aquilo com que se começa... Termina-se sempre com muito menos... E tu. Perdido dentro de ti... É normal. Nunca cá tinhas vindo... Não sabias nada sobre o teu interior, sobre quem na verdade és... Ainda não sabes, é certo, mas começas a perceber que as coisas não são o que parecem... Por exemplo... A chuva... Sabes porque não vai parar? Porque aqui não chove. Este lugar não existe, logo não pode chover aqui... Isso foi só uma metáfora que conseguiu fugir ao narrador, uma forma de dizeres que, na verdade, estás apenas à espera de algo que te faça parar de chorar... E sim, tens razão... Este mar não existia. Eu, sim. Mas o mar não... Formou-se com as tuas lágrimas... Não aquelas que saíram de ti, essas perderam-se no mundo real. Mas todas aquelas que não choraste, caíram para dentro de ti e foram formando rios, lagos... Até crescerem e formarem a minha casa. E eu, deves perguntar-te... Mas afinal quem sou eu? Eu sou só uma outra parte de ti... A tua parte eterna, a parte que sobrevive sempre, a tua essência... Por isso concentra-te, respira fundo, e pergunta-me tudo o que quiseres saber sobre ti..."

O menino não queria acreditar... Finalmente tinha chegado ao sítio onde queria ir... A resposta às suas perguntas, a verdade sobre a sua vida... Respirou fundo. O olhar sábio da baleia trazia-lhe confiança.

"Eu... Eu queria saber porque motivo sou assim..."

"Assim, como?", perguntou a baleia.


"Assim... Fraco... Eu sou fraco, mas ninguém vê... Pensam que é qualquer outra coisa... Mas não, eu sou fraco... Sou... Sou um cobarde... Tenho medo de tudo... E desde que ela... Tenho medo, sim tenho muito medo... E queria saber porquê... Faz-me sofrer... Penso sempre nas coisas erradas... Sinto as coisas erradas... E não quero. Não quero... Quero ser feliz, tenho tudo para ser feliz..."

A baleia olhou para o céu.

"Não te posso responder a isso, lamento... Não há motivos... Porque motivo nasce a Lua? Ou melhor, porque motivo nasceu a Lua em ti?..."

O menino não tinha resposta.

"Não sei", disse. "Foi a bruxa..."

"Não! Não foi bruxa nenhuma... Isso são histórias, crenças, credos... A verdade também passa por aí, mas não é apenas isso... A Lua nasceu em ti porque tinha que nascer, era altura para isso... E tu és assim porque és. Nasceste assim. Cresceste assim. É claro que todo aquele tempo sozinho não ajudou, mas é assim que és. E tens que saber lidar com isso... Queres perguntar mais alguma coisa?"

A baleia olhou o menino com expectativa.

"Sim, queria... Falaste na Lua... Eu queria saber se ela me ama de verdade... Queria saber porque motivo não fala mais comigo, não me conta as coisas... Às vezes parece que não gosta assim tanto de mim... Parece que só sirvo para algumas coisas..."

A voz do menino tremia. Era o medo, claro. E a baleia sabia-o.

"Vamos por partes... Se a Lua te ama de verdade? Não te vou responder. Sei a resposta, mas não o posso fazer. Seria trair a Lua e tudo aquilo em que ela acredita; tudo aquilo em que ambos acreditam... Compreende que não é uma questão de sim ou não... Nem sequer devias ter pensado em fazer a pergunta... Há coisas que não se perguntam... Sentem-se, vêem-se... Mas não se perguntam... E se, de facto, tens dúvidas, então talvez seja a Lua que tem razões para se preocupar... Talvez tu não a ames tanto como pensas..."

A baleia tinha razão. Ainda que tivesse que ser mais dura com o menino, e isso lhe custasse, ela tinha razão.

"Mas eu amo-a tanto! Tanto..."

"Então não duvides do seu amor por ti. Duvidar disso é duvidar de tudo quanto foi dito e feito desde que a Lua nasceu em ti... E quanto ao resto, bem... Ela conta-te as coisas... Ela fala contigo... Mas é preciso ver que estamos a falar da Lua... Se tu és quem és e mesmo assim és feito de luz e sombra, imagina a Lua... E ainda não passou assim tanto tempo... Sim, eu sei o que vais dizer... O tempo não se mede pelo passar das horas, é verdade... Mas o tempo faz-se aos poucos e aos poucos vai passando... Não podes deixar que o teu medo se torne em insegurança e que a insegurança se torne maior do que o amor que vos puxa para o futuro... Vocês estão alinhados, estão na mesma direcção... Tens que aprender a controlar tudo o que há em ti de negativo... E tens que parar de pensar que tudo o que a Lua diz é um disfarce para camuflar todas as coisas negativas e más que ela pensa de ti... A energia negativa propaga-se mais facilmente do que a positiva... Por isso não podes deixar que ela se apodere de ti..."

O menino sabia que a baleia tinha razão... Mas custava tanto ouvir aquelas coisas... Sabia que, no momento em que abrisse os olhos e se apercebesse de que a baleia tinha apenas sido uma manifestação do seu inconsciente, ia estar novamente sozinho... E tinha saudades da Lua... Tinha tantas saudades da Lua... E sempre aquele sentimento, como uma pedra no sapato... A Lua não teria saudades dele... A Lua não pensaria nele... A Lua não estaria lá caso ele precisasse... E tudo isto fazia com que se sentisse triste, angustiado, cansado... E depois havia o segredo da Lua, e tudo quanto lhe dizia respeito... Não queria perguntar, não queria falar nisso... E consumia-o por dentro... Se ao menos a Lua o procurasse mais vezes... Se ao menos aquele beijo chegasse primeiro...


A baleia interrompeu a sequência de pensamentos.

"Não penses nisso assim, nesses termos..." Sim, é verdade. A baleia, como parte da essência do menino, sabia tudo. Tudo... E prosseguiu. "Não é assim tão linear... Há sempre duas vertentes... As coisas que a Lua faz e a forma como tu as vês; as coisas que a Lua diz e a forma como tu as ouves... Quantas vezes os males do mundo começam por um simples mal entendido?... Demasiadas, é verdade... E nada é mais simples... Uma palavra mal ouvida; um acto mal compreendido... Talvez ajudasse se tu próprio falasses mais com ela... Porque ela ouve-te sempre... Não sei o que querias mais, sinceramente não sei... Tens alguém que te ama, que te ouve, que te ajuda... Se não é suficiente, talvez o problema seja teu..."

A dureza das palavras aumentava e, com ela, também a chuva caía com mais força.
"O amor não se mede. Nunca se mediu. Sim, sei o que vais dizer, mas não me interessa o que um palhaço com obsessão pelo absoluto possa ter a dizer sobre a matéria... O amor é aquilo que é. O mais puro, o mais lindo sentimento humano. Não pode ser dissecado nem pesado. Nem tão pouco medido de qualquer outra forma. E o amor é o que tens em ti, o que ambos têm dentro de vocês. E isso, só por si, é suficiente. Pensa em todos os seres humanos do mundo. Agora pensa na probabilidade de um deles te amar no exacto momento em que tu o amas. E agora pensa na sorte que tiveste. Porque não só encontraste alguém que te ama. Encontraste a tua outra parte, aquela que te completa para além da lógica da vida e da racionalidade dos homens. Por isso não tentes ser racional. Ama, apenas. Ama... Fecha os olhos, pára de pensar... E ama..."


As águas subiam cada vez mais, quase tapando o menino por completo. E as palavras da baleia ecoavam pela sua mente cansada.

"Eu... Ajuda-me... Eu... Não sei nadar... Não me deixes aqui..." O menino tremia e a sua voz tremia igualmente. De medo, claro.

"Claro que não... Sobe para as minhas costas... Vou levar-te a um sítio..."

"Onde?", indagou o menino, numa mistura de curiosidade, excitação e receio.

"Confia em mim..."

A baleia mergulhou nas águas mornas e salgadas. O menino pôde reconhecer o sabor das suas lágrimas em todo aquele imenso mar. Ele pensava em tudo o que tinha já encontrado – a bruxa, velha e enrugada; o palhaço, revoltado e triste; a sombra, estranhamente sua amiga... E enquanto o menino se entregava ao seu pensamento, a baleia mergulhava cada vez mais fundo, dando uma impulsão incrível à barbatana caudal e criando remoinhos de água e espuma à sua passagem. De súbito, descreveu um semi-círculo muito aberto, continuando a acelerar em direcção à superfície. Cada vez mais depressa, cada vez mais depressa... O menino agarrava-se bem às costas da baleia, mas tinha já alguma dificuldade em manter-se no seu dorso. A baleia aproximava-se da superfície... Já no limite das águas, a baleia deu um último impulso com a barbatana, atravessando a espuma branca e elevando-se nos céus como uma ave qualquer, muito longe da envergadura própria de tal mamífero aquático. Continuou a subir ainda mais, em direcção às nuvens de chuva inexistentes. Cruzou-as sem dificuldade e atravessou o que restava do céu, em direcção a um céu estrelado, muito mais inacessível do que...

Não. É o que acontece quando damos liberdade narrativa ao autor... Não há baleias que voam. E os meninos não voam montados no seu dorso. Mas acima de tudo, não é montado no dorso de uma baleia voadora que o menino vai conseguir ir à Lua. É muito mais fácil do que isso... A Lua não está lá no alto, num zénite inacessível. Está muito mais próxima dele... Ele é que às vezes não o consegue ver...

(...e parece que afinal tudo isto é uma grande metáfora... beijos. amo-te.)

6 comentários:

Nuno Vrrruummmm disse...

ui uiiiiii...
esqueci-me de dizer que isto é um texto transcrito.
não queria ser pelagiador,mas sempre que se imita algo,que sejam coisas benéficas e positivas,embora adaptando um cadinho à nossa essência. O resultado tá aí...

Nuno Vrrruummmm disse...

o que eu já disse para quem é apanhado a copiar?
são dez vergastadas com o vime de minha mãe!!

Anónimo disse...

Olha ele de novo em discussão consigo mesmo =p agora até masokista é a oferecer vergastadas...lol
Em relação ao texto que postaste achei muito bonito...e dá que pensar, sendo mesmo possivel analisar muitos aspectos da vida em que num ou noutro momento qualquer pessoa se vê. É um texto que pode ter muitas interpretações...eu fiz a minha...cada pessoa fará a sua...e creio que se vê claramente qual a interpretação e o significado que lhe dás (pelo menos assim penso).
Gostei muito de ler. Tens ainda que meter indicações de que sitio o recolheste...mesmo pa evitares as vergastadas que aí o Nunee te está a oferecer e porque achei o texto giro e gostava de ler o resto.

Um Big Hug pa ti! E olha, segue os conselhos da baleia oh meninu perdidu! =)

Anónimo disse...

santa mãezinha a tua! espero que ela não te tenha apanhado muitas vezes a plagiar trabalhos, lololol. Os vimes têm tantas utilidades, eu que o diga.
hug

Sam disse...

Menino Vrummm! Posts mais piquinos que a malta trabalha... esta sociedade de consumo imediato, não quer perder tempo, ouviu(?!), loool.

Nuno Vrrruummmm disse...

sam? ohh sam?
ninguém obriga-o a ler, siga embora consumir então!